Na mitologia grega, o escritor e historiador grego Homero, em sua obra épica Odisseia, relata-nos um povo que ele chamou de lestrigões. Eles eram gigantes, canibais e raivosos, verdadeiros monstros ou leviatãs.
Conta Homero que quando Ulisses e seus companheiros aportaram na cidadela de Lemos, em retorno da Guerra de Tróia, os gigantes atiraram enormes rochedos contra os seus grandes navios afundando todos, exceto o que transportava Ulisses; isto porque, por esperteza, o célebre guerreiro atracou seu navio em local afastado dos demais e assim se tornou o único sobrevivente do massacre. Outros enviados para explorar a região foram devorados ou perfurados por lanças gigantescas.
Prezado leitor, isto foi o que encontrei de melhor na mitologia para comparar com nossos lestrigões brasileiros, que nos devoram a todos com uma voracidade sem igual e não é mitologia, é realidade e chama-se burocracia. Para muitos que a criam, facilitam-na ou a intermedeiam, ela é um meio de vida. Para outros poucos, que querem desenvolver o país e a nação brasileira, é um sacrifício, um desestímulo e uma desmotivação inigualável.
Quer exemplos? Experimente tirar um “alvará de construção” em qualquer cidade e verás que depois de alguns meses de busca de papelada aqui, ali e alhures, você provavelmente, já quase doido, vai desanimar ou quase. Aventure-se a buscar uma licença ambiental para qualquer negócio que exija um mínimo de cuidados: você enlouquecerá! Tente entender as legislações dos 5.560 municípios, ou, pior, dos 27 estados brasileiros, que mudam todos os dias ou, a ainda mais complicada legislação tributária federal, em grande parte judicializada. Coisa de maluco! Sem falar a legislação trabalhista que dá medo e penaliza quem dá empregos. Impossível para leigos como você e eu.
Neste emaranhado burocrático, poucos ulisses muito tolerantes se salvam. Merecem todos nossos aplausos! Porém, salvam-se a custos razoáveis de despachantes, lobistas, amigos influentes e coisas deste gênero. O pior é que nossos políticos e povos, principalmente os que querem desenvolver o país e a nação, não lutam para extirpar do nosso meio nossos lestrigões, esses monstros burocráticos incrustrados em todos setores e esferas da administração pública.
O resultado disto é que, entre outras coisas ruins, em 2020 nosso País ficou na 57ª. Posição em uma lista de 64 países que formam o anuário da competitividade mundial feito pela IMD World Competitiveness Center, em pesquisa que verifica o ambiente econômico e social do país para gerar inovação e se destacar no cenário global. Isto posto, não temos e não teremos nenhuma chance de competir com outros países enquanto nossos lestrigões não forem extirpados. Por ora, não visualizamos nenhuma chance.
Já foi dito por aí que a maldição do Brasil é a abundância. Porém, é abundância em burocracia, intervencionismo, protecionismo, voluntarismo político e excesso de legislação tributária, onde cada Estado legisla a seu bel-prazer, todos concedem incentivos fiscais, porém não conseguem ajustar uma agenda positiva comum.
Resta saber e entender que o corporativismo exacerbado dos beneficiados deste status quo, com destaque para o setor público, que é muito forte, não aceitam mudanças e, sempre, fazem a diferença em seu próprio benefício e não em prol de mudanças a favor do país e da nação brasileira. As pseudo-reformas administrativa e tributária, emperradas, são exemplos típicos destes corporativismos exacerbados.
Enquanto isto, tornamo-nos eternamente um país do futuro, com um povo cada vez mais dependente de assistência social e sem perspectiva de um futuro melhor. Até então essa assistência foi sustentada pela segundo e terceiro setor da economia que estão exauridos. Não demorará, questão de tempo, ficará dependente do agronegócio, setor que tem sustentado o país e, com boas tecnologias, mostra fôlego.
Ora, como não conseguimos competir do mercado mundial, vamos nos empobrecendo de maneira inusitada, cada vez mais e sem controle, como um carro desgovernado. Nossa indústria vai morrendo ou perdendo influencia aos poucos. Triste sina. Será que não vamos acordar nunca? Até quando?
Quem viver muitos e muitos anos, verá.