O poema regionalista do pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999), “Morte e Vida Severina”, continua latente e vivo como dantes, desde 1955 quando foi escrito, até os dias de hoje aqui na terra de Cabral.
A nação brasileira nunca foi tão severina como agora, pós pandemia, na busca de caminhos para o futuro. E o pior: sem rumos e sem saber o que encontrar no final da jornada.
Sim, até porque estamos caminhando há mais de 30 anos, cada vez mais céleres, para um lugar que acreditamos ser dos sonhos, cheio de expectativas e de vida melhor, como nos devaneios do personagem central do poema, “Severino, filho da Maria do finado Zacarias”. Ledo engano!
É certo, porém, que chegaremos, da mesma forma e a qualquer momento, à conclusão de que somos um país distópico por origem, e o final do caminho poderá ser desolador, tal como a caminhada e o final da jornada de Severino, que, seguindo o rio Capibaribe, sabia aonde chegaria. Todavia, o desfecho foi pura ilusão.
No poema, Severino representa uma parte da nação nordestina do agreste e do sertão, os retirantes da seca, da fome e da incerteza, em busca de dias melhores na cidade grande, o Recife. Como um guia, o rio Capibaribe levará Severino até o sonhado destino, onde, ao chegar, depara-se com poluição, pobreza, favelas e tristeza, que o levam a pensar em desanimar da vida, suicidando no rio que o guiou.
Severino, porém, foi aconselhado de que “o espetáculo da vida é a melhor resposta para a morte.” A fé cristã, nossa tradição, trouxe a esperança de volta. E assim somos; aos trancos e barrancos vamos seguindo em frente.
É fato; nos dias atuais somos uma nação de severinos, seguindo seus passos com esperança e fé, crendo que há um lugar melhor para cada um de nós em algum momento. Porém, caminhamos já sabendo como será o final da jornada, quando aceitamos pacificamente que 12 milhões de severinos brasileiros, jovens de 14 a 29 anos, quase todos pobres e pretos, nem estudam e nem trabalham, mergulhados numa desilusão total, sem profissão, porque o ensino médio não lhes dá oportunidade de se profissionalizarem, ficando sem trabalho ante à crise global de desemprego que se acentua com a inteligência artificial, tornando-se gente sem perspectiva de futuro.
O que será desta nação? Difícil responder. Subemprego, caminho das drogas, dependência das ações sociais, desanimo e desilusão com a vida? Alguns terão melhor sorte, poucos, porém. Sim, o caminho é o mesmo que o Severino do poema trilhou.
Da mesma forma, seguimos os passos dele, porém conscientes de que o final não será de maravilhas, até porque não conseguimos crescer e ficamos mais pobres em relação ao resto do mundo, como tem acontecido nos últimos trinta anos, quando o PIB do Brasil, que representava 4% do mundial, passou a representar apenas 2%. Ficamos maios pobres em decorrência de um estado inchado por demais; por causa de governantes encastelados no poder e que não se interessam em reformar o Estado nem diminuir privilégios, fatos que acentuam nossa desigualdade de renda e social, tendo em vista a desigualdade salarial entre o poder público e o privado. Ficamos mais pobres, também, porque temos um sistema burocrático, com tributação errada na produção e com impostos pagos antecipadamente, o que concorreu para nossa desindustrialização e a perda de milhões de empregos que não retornarão jamais.
Por fim, caminhamos com Severino, quando, por omissão ou crença de que o Estado tudo pode, deixamos o Brasil se tornar um dos piores países do mundo para investimentos, por falta de estabilidade e controle nos gastos públicos, insegurança jurídica, burocracia canibalesca e outras tendencias que nos levam ao desastre.
Como João Cabral de Melo Neto fez em 1955, expresso aqui, 67 anos depois, minha tristeza com nosso quadro de morte antes da vida, também sem perspectivas de melhora.