Nossa constituição impõe um comando claro quanto aos direitos das pessoas com deficiência – PcD. A Constituição da República, no art. 37, inciso VIII, estabelece que a lei reservará o percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência e definirá os critérios de sua admissão.
A tal lei citada em nossa carta maior é o estatuto da PcD, ou a Lei da inclusão, ou a lei 13.146/2015 - define os critérios de deficiência. E ainda o Decreto 9.508/2018 que determina o patamar de 5% (cinco por cento) em concursos e contratações por tempo determinado, como os comissionados.
Tal lei define que “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Entretanto, para muitos, para ser deficiente é necessário faltar um membro, como o braço ou perna, ou esteja na cadeira de rodas. Esse conceito pesado e anticientífico de deficiência há anos foi ultrapassado. Atualmente e em função das políticas afirmativas, o conceito se ampliou e abarca as várias situações de limitação, que vão além da física; a mental e a intelectual ou sensorial. Contemplando os vários pacientes com deficiência e em seus mais variados graus de limitações. Considerando os aspectos “biopsicossocial” de cada caso.
Mas cabe uma pergunta: Se o Estatuto do PcD é de 2015, por que ainda constatamos tantas PcD desempregadas? A resposta reside em nossa antiga disposição em não cumprir leis. Na maior parte das vezes, leis importantes, exigidas pela opinião pública, mas não absorvidas pelas autoridades que deveriam pôr as mencionadas leis em prática.
Um exemplo seríssimo e grave, é a ausência de PcD na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (ALEGO) e na Câmara dos Vereadores de Goiânia (CVM/GYN). Em ofício enviado pela Associação de Apoio à Saúde (AAS), questionamos frontalmente às referidas casas legislativas acerca do quantitativo deste tipo de trabalhadores. E a resposta enviadas pelas duas casas é de perder as esperanças nas instituições públicas. ALEGO E CÂMARA DE VEREADORES DE GOIÂNIA ASSUMEM QUE NÃO CUMPREM A LEGISLAÇÃO. E logo tais instituições responsáveis por elaborar leis.
Tornar uma lei ineficaz, guardando as devidas proporções, é tão preocupante como um construtor que levanta um prédio e ao entregar as chaves diz aos moradores: “Olha, eu estou lhe entregando seu imóvel, mas ele pode cair a qualquer momento, então, cuidado”.
A ALEGO tem, segundo o portal da transparência, quase 5.000 (cinco mil) trabalhadores. São 420 efetivos, e, pasmem, quase 4.600 (quatro mil e seiscentos) servidores comissionados. E na resposta ao ofício encaminhado pela presidência do referido órgão legislativo, somente 20 PcD laboram na casa, dando 4.13%, embora não tenha enviado a lista com os nomes dos propalados trabalhadores em nem quais seriam suas deficiências.
Em relação aos comissionados, a resposta foi digna de risos (ou de choro), ao informarem que NÃO SABEM quantas pessoas com deficiência estão trabalhando na casa, já que o ano é de troca de legislatura, e tais informações somente quando obtiverem mais informações dos senhores e senhoras deputadas.
Ora, a ALEGO hoje se tornou uma verdadeira fortaleza, ao estilo de um castelo medieval – só que moderno. Ninguém coloca um pé dentro daquele suntuoso lugar, sem antes deixar todos os dados com a recepcionista – acompanhado, é claro, por um segurança armado. Ou seja, é impossível que o departamento de recursos humanos não saiba quantas PcD tenham para pagar ao final do mês.
Em relação à CVM/GYN, a resposta também foi evasiva e alegou-se que existe dois (02) vereadores na casa que são PCDs. O que não responde à pergunta formulada, pois estes são eleitos e não dependem de vaga, ao menos a lei trata de eleição para cargos eletivos. Informam, apenas, que existem 08 servidores efetivos; 11 comissionados e 01 servidor à disposição daquele órgão.
Ocorre que, segundo o portal da transparência, pode-se depreender que existem 2.000 (duas mil) pessoas na folha de pagamento desta casa. Sendo assim, em tese, deveríamos ter pelo menos 100 PcD ali trabalhando. E não tem! Na verdade, indubitavelmente, a lei está sendo negligenciada.
Como médico, ficou extremamente triste por constatar o descaso com os pacientes que, na maioria das vezes, não possuem uma única oportunidade no mercado de trabalho. São pessoas que tentam, cotidianamente, romper as inúmeras barreiras físicas, mentais, sensoriais, sociais, psicológicas e legislativas. Como advogado, sinto-me duplamente entristecido, pois perceber que órgãos que fazem leis, não respeitam as leis – mesmo que não sejam elaboradas por elas – sendo acima ou abaixo.
Só na ALEGO são 250 (duzentas e cinquenta) vagas que deveriam ser preenchidas por pessoas com deficiência, já que 5% de 5000 redunda em cerca de 250.
Inconformado, ajuizei, como cidadão, uma ação popular, em trâmite na unidade de processamento da justiça da fazenda pública estadual, sob o número 5528750-38.2023.8.09.0000, com pedido expresso para ser cumprida a lei. Apenas isso… Se não for pedir muito.
Em tempo, informamos que foi criado um movimento chamado de APOIO-PcD cujo objetivo é auxiliar as pessoas com deficiência a encontrar um bom emprego e até ser aprovado em um concurso que lhe traga estabilidade. Almejamos, com tal ação, debater ideias, apontar caminhos, elaborar defesas administrativas contra bancas que criam dificuldades as PcD e até mesmo, havendo necessidade, ajuizar ações judiciais para o direito prevalecer sobre os preconceitos velados e excludentes.
Somos uma sociedade em construção, e se não cuidarmos de todos os detalhes, por mínimos que sejam, que sociedade seremos? As leis precisam ser respeitadas, por quem as elaboram e por quem delas precisa.
Dr. Cláudio Brandão
Advogado OAB/GO 33.587
Médico CRM/GO 9059
Perito Federal
@drclaudiobrandao